Ele sabia mais que ninguém
Já se tem escrito muito acerca do Pe Josimo, sua causa, seu jeito, seu martírio e o processo que, a partir de sua morte, se desencadeou. Mesmo assim, este livro é novidade, pela abrangência com que trata o tema e pelo seu estilo de depoimento multíplice. Esses vários "grupos" que dão sua palavra ou seu silêncio, sua cara ou sua hipocrisia, configuram um tribunal singular.
É um livro testemunho.
Também é um livro conflitivo. Josimo e sua causa, sua vida e sua morte, dividem, fora e dentro da Igreja. Talvez como dividem Jesus e sua causa, sua vida e sua morte...
O próprio Josimo, aliás, foi ante tudo um testemunho e um conflito. Um testemunho de vida entregue ao Povo, radicalmente. A partir da fé e por vocação. Um testemunho da Igreja nova, encarnada nas alegrias e nas dores humanas, como queria o Vaticano II; fazendo da opção pelos pobres o paradigma pastoral, como pedia Medellín. Josimo foi consequentemente um padre da Teologia e da Pastoral da Libertação, das Comunidades Eclesiais de Base, da Bíblia nas mãos do povo, das pastorais sociais específicas – no seu caso, e paradigmaticamente, da CPT, a Comissão Pastoral da Terra. Essa CPT que ele amou e assimilou e potencializou com sua ação e finalmente com seu sangue! Na escadaria da CPT foi dar a vida...
Um conflito também foi a vida de Josimo. O povo o recorda como alegre, violão na mão e canto na boca, amigo das crianças, colega comunicativo... Pode ser recordado também com os seus intermitentes silêncios, aquele olhar embaçado de uma tristeza à espera, angustiado pelos problemas candentes do seu dia a dia pastoral, pelas ameaças que o cercavam, como uma cachorrada enfurecida, e pelas crises interiores, humaníssimas, entre o coração e a vocação sacerdotal, entre o povo e certa Igreja, entre o juvenil amor à vida –"não quero morrer!"- e o amor maior, capaz de dar a vida, como a deu.
Por essa condição de testemunho e conflito, muitos e muitas temos encontrado em Josimo um exemplo eficaz, um estímulo caseiro. O Povo da Terra e a CPT, mais concretamente, têm feito dele seu profeta próximo, seu mártir indiscutível.
Três capítulos do livro – 3, 4 e 5 – definem a vida de Josimo: ser padre, lutar pela Terra com o Povo da Terra, edificar a Igreja dos Pobres. Conflitivamente, teimosamente, com uma radicalidade que pareceria até fatalista às vezes, não fosse a luz, o motivo, a Companhia maiores, o levavam por esse caminho tão evangelicamente correto. "Morro por uma causa justa," deixou dito naquele testemunho, que é uma das mais comoventes páginas de nossos mártires latino-americanos. Ele entendeu à risca que sua Causa - a Causa de Jesus e de seus Pobres - valia mais que a sua vida!
Este livro de Binka Le Breton se intitula TODOS SABIAM: A Morte Anunciada do Padre Josimo. Ele sabia mais que ninguém. E aí reside a exemplaridade questionadora dessa vida jovem, dessa atividade pastoral coerente: assumir, não fugir, não justificar certas prudências, exercer aquela pastoral "do acompanhamento" que propugnava Dom Romero e que também a ele o levou ao martírio, agora faz 20 históricos anos. Josimo vinha do Povo, da Pobreza, da mãe lavadeira. E com o Povo seguiu sempre, sem se deixar "desclassar" pelo status eclesiástico, sem se intimidar pelo poder dos inimigos do Povo.
O livro chega numa hora muito oportuna. De Jubileu para o mundo cristão. Dentro dos "outros 500" para o Brasil consciente. Quando, por outra parte, há tantos incentivos que convocam, em nome da pós-modernidade e do espiritualismo, a uma pastoral "concordada", sem conflitos, light. Querem-nos tirar a memória, jogar terra encima do sangue que clama, regressar-nos às sacristias do des-compromisso social.
Esse menino padre, negro militante, Povo e Evangelho, conflito e fidelidade, pode nos devolver a dura, teimosa,inquebrantável alegria de lutar pela Terra Prometida na terra que, para ele, ressuscitado, já é Terra gloriosa no céu.
Pedro Casaldáliga
Velho amigo do Josimo também.
São Félix do Araguaia, 25/02/2000
Livro de Binka Le Breton