Ele trata dos processos que iniciaram com a ditadura militar de 1964. É apenas mais um livro a recontar parte da história do Brasil. Essa história muitas vezes pouco contada. Ele versa sobre a história que se iniciou lá pelos anos de 1966, quando o governo da ditadura resolveu implantar no país, o processo de ocupação da Amazônia. Eu ouvia, lia, enfim, reproduzia a história um dia contada pelos jornais da época. Foi assim, que o livro saiu, vasculhando a impressa escrita, numa época em que valia a penas vasculhar a imprensa. Hoje, no entanto, isso talvez, não seria possível. Assim, vasculhei tudo e mais um pouco. Vasculhei os órgãos da imprensa livre e da engajada. Vasculhei meio em cima da hora, a história recente do país que construíamos. Um país, cheio de prós e contras. Um país gigante, cujo gigantismo não foi possível só amá-lo. Foi preciso exorcizá-lo.
Por tudo isso, eu recém ingresso na universidade pública brasileira, pedi licença para meu Departamento para ir fazer pesquisa em Mato Grosso. Santa higenuidade minha, pedir licença. Afinal eram tempos da ditadura. Mas foi o que fiz, um pedido de licença para um recém ingressado na universidade. Muitos não gostaram. Muitos mesmo, até aqueles que eu elogiara em meu doutorado. Nunca fui saber o que tinha realmente contecido. Não importa, mas o importante foi que o Departamento me deu a licença para ir ao Mato Grosso fazer a pesquisa. E mais, o CNPQ me deu uma pequena ajuda, mas muito grande para mim. E lá fui eu andar pelo Mato Grosso.
Andei muito, minha perua Panorama, aquele carrinho da Fiat, que o diga, ela quase acabou. Foram mais de 100 mil quilômetros rodados entre os projetos de colonização que se instauravam na época. Virei e revirei o Nortão como a mídia chamava aquela porção do estado. Conheci pessoas sensacionais. Todos me ajudaram a descrever e escrever uma parte de sua história.
Mas, mais importante para mim, foi ver minha recém família envolvida em toda essa história. Lá estavam, elas presente. Bernadete minha querida companheira, Ursula minha filha e Emiliano meu pequeno filho. Ambos cresceram vivendo a aventura do pai. Um pai meio louco pelo que fazia. Um pai que levou os filhos para viverem a grande epopeia. Uma grande epopeia que não era só minha, era nossa. Meus filhos cresceram vivendo esta epopeia. Mas, isso é só o que conto agora, muito foram o que viveram, vivendo. Lembro-me agora, das cenas de uma das viagens que fizemos pelo interior do Nortão de Mato Grosso. Lá pelos idos de 1986, quando fizemos um giro do Nordeste de Mato Grosso até o Centro do estado. E nessa viagem fizemos a aventura de atravessar o Parque Nacional do Xingu, pela estrada BR-80. Foi uma verdadeira aventura, a travessia do grande rio numa embarcação que se eu pensasse um pouco, jamais poria meus filhos, a Bia minha cunhada e Bernadete. Mas fomos nós, naquele motorzinho atravessando, atravessando, até que hegamos do outro lado do grande rio, agora já no início do grande Parque. Foi uma travessia e tanto. O Emiliano sempre recordava as aventuras da TV do “Camel Trophy Borneo”, uma aventura dos carros em plena ilha de Borneo na Indonésia. Nunca esqueci desta passagem,Camel Trophy Borneo, o Emiliano também. Cada passagem na estrada por dentro da água ele falava: Camel Trophy Borneo. E assim, de travessia em travessia chegamos do outro lado do Parque. Assim, fui construindo este trabalho. Quando chegamos a Matupá no entrocamento da Cuiabá-Santarém, BR-163, foi que “caiu a ficha” das aventuras que havíamos feito. Foi muito bom, mas muito perigoso.
Assim, saiu os campos deste trabalho, algumas épocas cheio de pó, poeira, outros cheio de lama, lama pura. Mas, de pó e lama se faz um trabalho, este foi assim. Mas, saiu, em 1997, num mutirão só, mas saiu. E agora, vinte anos depois vira um livro. Um livro que não é só meu é de todos que viveram essa grande epopeia.
Mas, escrever um livro é sempre uma epopeia. Este tem muitas, muitas mesmo. Talvez a grande façanha desta tese de livre docência tenha sido minha escola na vida, pois, nessa mesma viagem foi quando conhecemos a casa, o lugar São Félix do Araguaia, os feitos de Dom Pedro Casaldáliga, um bispo feito gente. Naquela viagem nós todos estivemos com Pedro. Foi muito estranho, para mim um mero professor pesquisador. Mas, quando chegamos na casa de Pedro, ele, alegremente nos saudou. Mas, na frente de sua casa estava um jipe chapa branca. Da universidade é importante dizer, mas chapa branca. Foi um entra e sai na casa de Pedro. Cada pouco vinha um e entrava casa a dentro cumprimentando todos. Pedro calmamente, chamava-o para a cozinha e logo em seguida, lá saia o cidadão despedindo de todos. Aí estava o primeiro emblema que aprendi logo cedo, a defesa de Pedro e seu povo.
Naquele dia, ele deu dois pedregulhos para Ursula e Emiliano dizendo coisas maravilhosas do rio Araguaia. Ambos guardaram, pois, um dia muito mais tarde, por volta de 2009, quando fui fazer um trabalho para o ICMBio em Luciara, e levei o Emiliano comigo, pois, já era geólogo, fomos visitar Pedro em São Félix do Araguaia. E qual não foi a minha surpresa: o Emiliano disse ao Pedro que guardava aquela “pedrinha” que havia ganho de Pedro.
Por isso Pedro é meu mestre na estrada, na vida. Meu mestre, aquém dediquei este trabalho. Outro, é Valverde, o Orlando. Com Valverde apreendi a fazer Geografia, com Pedro aprendi as páginas da vida. Ambos são meus mestres a quem dediquei a tese e este livro.
Assim, este livro está cheio de entradas e saídas. Entradas da vida na Geografia e, saídas para a Geografia e a vida. Por isso, não há outra coisa a fazer nesta apresentação do que saudar meus dois mestres Orlando e Pedro, estes dois singelos homens com quem aprendi várias páginas de um grande livro da vida.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira
(Num dia de domingo no final do ano de 2016)